As falhas, as melhorias e os desafios de CEEE privatizada

Data da matéria: 21/05/2022

21/mai/2022, Zero Hora – Porto Alegre

Em julho do ano passado, a Equatorial assumia em definitivo a Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE) pelo valor simbólico de R$ 100 mil, após privatização viabilizada via governo Eduar­do Leite. Com plano de investir R$ 100 milhões no primeiro ano, a meta era começar a alterar os rumos da até então estatal. Mas o caminho é longo, informa a agora empresa privada: depende de investimentos e de prazos.

O cartão de visitas, indigesto, para a nova controladora cujo histórico remete a resgate de empresas em outros Estados, viria oito meses após a posse. Mais especificamente, no final de semana do dia 6 de março, quando dois temporais interromperam o fornecimento de 190 mil clientes, quase 12% dos 1,7 milhão de residentes em 72 municípios da Grande Porto Alegre e das regiões Sul, Campanha e Litoral, áreas de concessão da empresa.

Naquele momento, algumas pessoas relataram que já esperavam por melhorias nos atendimentos sob a nova gestão. Mas, passados três dias, cerca de 45 mil consumidores permaneciam sem energia elétrica, a maior parte em cidades da Região Metropolitana e da Capital. A sensação, para muitas pessoas entrevistadas naquele momento, era de que nada havia mudado e, se havia, tinha sido para pior.

Nesta semana que passou, ciente da passagem da tempestade Yakecan pelo Estado, a CEEE Equatorial se antecipou. Anunciou que estava preparada para ocorrências que surgiriam com fortes chuvas e rajadas de vento que poderiam chegar a pouco mais de 100 km/h.

Ao contrário do início do ano, desta vez os maiores estragos ficaram concentrados nas regiões litorâneas. Por volta das 23h de terça- feira passada, 325 mil unidades consumidoras estavam sem energia no pico dos incidentes. Segundo o presidente da CEEE Equatorial, Raimundo Bastos, 67 municípios (dos 72 da concessão) foram “atingidos de forma intensa”.

Até a meia-noite do dia seguinte, diz Bastos, 239 mil religações tinham sido feitas, o que equivalia a quase 75% das demandas solucionadas. Mesmo assim, 86 mil clientes permaneciam desabastecidos. Nesta sexta-feira, restavam 2 mil ocorrências em atendimento. Entre as ações que garantiram “balanço positivo” da operação após a Yakecan, segundo Bastos, esteve a ampliação de 100% do efetivo de equipes de prontidão de maneira “equilibrada” entre a Capital e o Interior e maior facilidade de acesso aos canais de atendimento.

Relatos apurados no Litoral, como os dos prefeitos de Tavares, Gardel Araújo, e de Mostardas, Moisés Batista Pedone de Souza, contradizem a constatação. Eles reclamaram de dificuldade de comunicação com a Equatorial e de pouca movimentação de equipes de conserto nas duas cidades, quando já estavam havia 24 horas sem energia.

– Desta vez, não houve dificuldades dos consumidores em informar os problemas. Neste aspecto, e na agilidade da resolução dos problemas, acredito que apresentamos evolução significativa, com alguns problemas pontuais – contrapõe Bastos.

Investigações

Em relação a março, a situação gerou notificação do Programa de Proteção e Defesa do Consumidor (Procon) de Porto Alegre, a abertura de inquérito civil no Ministério Público (MP) e processos de fiscalização mais rígidos na Agência Estadual de Regulação dos Serviços Públicos Delegados (Agergs), que culminaram, de imediato, na aplicação de multa fixada em R$ 3,4 milhões pela reguladora por informações prestadas fora do prazo.

Não apenas em razão das chuvas e dos ventos, mas porque houve pessoas em situação de urgência que não conseguiram acionar a companhia, respostas desencontradas nos canais de atendimento e a sensação, relatada por muitos, de que as equipes de rua eram insuficientes e atuavam de forma desorientada.

Coordenador do Centro de Apoio Operacional do Consumidor e da Ordem Econômica no Ministério Público, o promotor Gustavo Munhoz comenta que, diante do volume de reclamações em março, a instauração de inquérito foi inevitável.

– Há argumento forte de que demissões teriam causado dificuldades na retomada do serviço. A empresa nega e alega que, hoje, técnicos de campo estão em número superior. Isso será apurado. Há outros argumentos, como esvaziamento de equipamentos, o que a Equatorial também refuta. Vamos investigar – diz Munhoz.

Na mesma linha, o gerente de energia da Agergs, Alexandre Jung, diz que a agência irá elaborar relatório consolidado, ainda em maio, sobre razões e danos do episódio de março. A meta é apresentar recomendações sobre prováveis termos de notificação, que poderão gerar o arquivamento do processo ou novo auto de infração à Equatorial. O conteúdo também poderá embasar o inquérito do MP.

Na comparação entre os episódios de março e da Yakecan, Jung afirma que, no primeiro, houve indícios de irregularidades, sobretudo por demora de atendimento. Já na semana que passou, o tempo de resposta foi “três vezes mais rápido”, diz Jung.

A Defensoria Pública do RS reuniu-se com a Equatorial em março. O órgão diz que solicitou informações e estabeleceu parceria com a empresa para encaminhar pedidos de compensação financeira por prejuízos reclamados por clientes (com eletrodomésticos e produtos perecíveis). Além disso, “acompanha” a implantação das melhorias prometidas.

Presidente da companhia aponta fortalecimento

Diante das críticas, a Equatorial buscou, com números, sustentar que os dois eventos foram pontuais. Ainda assim, admite falhas nos sistemas, em março, o que retirou o georreferenciamento (serviço de localização) das equipes de rua e resultou na indisponibilidade do sistema de SMS e no envio de mensagens com prazos inadequados para os consumidores, também via SMS.

Por outro lado, a empresa nega que a quantidade e a qualidade das equipes, bem como que a transferência de uma das quatro subestações móveis gaúchas para outra unidade do grupo tenha influenciado os atendimentos.

Fundada em 1999 para concorrer em leilões de privatização, a Equatorial, em 2006, ingressou no setor ao adquirir a Companhia Energética do Maranhão (Cemar). Além da distribuição no Estado de origem, tem experiências em levantar ativos de energia elétrica no Pará, em Alagoas e no Piauí. Com a incorporação de parte do RS, em 2021, passou a atender a 13% do total de consumidores brasileiros, com fatia equivalente a 7% do mercado no país.

Em 2021 (com seis meses de gestão da Equatorial), investiu R$ 100 milhões no Rio Grande do Sul, valor acima da média anual de R$ 70 milhões praticada na gestão estatal. Reduziu o prejuízo líquido de R$ 1,6 bilhão, em 2020, para R$ 394 milhões no ano passado.

Em 2022, o orçamento para financiar os avanços pretendidos será quadruplicado e ficará próximo de R$ 430 milhões, com a meta de tornar as ações menos “reativas” e mais “preventivas”.

O presidente do Instituto Acende Brasil (considerado espécie de observatório de energia), Cláudio Sales, lembra que a Equatorial assumiu o controle da CEEE com a obrigação de devolver R$ 250 milhões em cobranças de PD (pesquisa e desenvolvimento) não aplicados para essa finalidade, custos operacionais muito acima da eficiência entregue e, por fim, passivo superior a R$ 7 bilhões. Além disso, comenta, a situação econômica era de insolvência e inviabilizava o cumprimento do contrato, que já havia ensejado a abertura de processo de caducidade (perda da concessão por descumprimento de metas).

Indicadores

Frente aos problemas de março, o presidente da CEEE Equatorial, Raimundo Bastos, nega que especificidades gaúchas tenham trazido imprevistos adicionais à gestão, mas antecipa que os episódios aceleraram investimentos.

Segundo Bastos, apesar da percepção negativa deixada pelos episódios ser “compreensível”, os números mostram tendência de melhora. É o caso de dois principais indicadores de qualidade avaliados pela Aneel: Duração Equivalente de Interrupção por Unidade Consumidora (DEC) e Frequência Equivalente de Interrupção por Unidade Consumidora (FEC). O primeiro mede a duração, o segundo, a frequência média de interrupções de energia.

Em 2021, houve redução de 9,70% e de 8,22%, respectivamente, nos índices. Ainda que permaneçam bastante acima dos limites regulatórios (o DEC de 2021, por exemplo, foi de 18,06 horas, praticamente o dobro do limite estabelecido pela Aneel, de 9,26 horas), compromissos assumidos junto à Agergs, devem ser cumpridos para evitar penalidades, como seria o caso de eventual reabertura do processo de caducidade da concessão. Assim, a quantidade de interrupções, que fica na média de 20,06, em 12 meses, terá de ser reduzida a 18,96 em junho deste ano (ver quadro ao lado).

Nesse contexto, há regra automática: para cada cliente que sofre interrupção acima do teto, existe a obrigação de conceder compensações. Ou seja, além de não vender energia no período de queda no fornecimento, é preciso dar descontos nas faturas seguintes. No ano passado, esse tipo de incidência custou R$ 35,8 milhões à CEEE. Até fevereiro de 2022, a Equatorial desembolsou (ou deixou de receber) R$ 5,2 milhões – o equivalente a 14,5% do total registrado em 2021.

Quando o tema é redução de funcionários, nas investigações em andamento, o caráter é inconclusivo sobre efeitos. Mais do que números, o tema envolve o preparo e a disponibilidade das equipes. Eletricista com duas décadas de serviços na CEEE e diretor do Sindicato dos Engenheiros (Senge-RS), Luiz Alberto Schreiner lembra que o primeiro ato da Equatorial, ao tomar posse, foi aplicar plano de demissões voluntárias (PDV).

Antes, a companhia já havia tentado garantir demissões, mas não obteve anuência do sindicato. O objetivo, comenta Schreiner, seria cortar o efetivo pela metade, como teria acontecido mais tarde, com o PDV.

Nesse caso, a adesão chegou a 998 funcionários, com outros 50 desligamentos subsequentes, totalizando redução de 1.048 pessoas – 52,4% do quadro, até então com 2 mil colaboradores, de acordo com cálculos do Senge.

– O PDV trazia proposta com a seguinte conclusão: ou adere ou será demitido, depois, sem nenhuma vantagem, ou fica, com redução de 50% no salário – diz Schreiner.

O técnico industrial eletrotécnico Paulo César Santos Maciel atuou por mais de 10 anos no centro de operações – o cérebro de uma distribuidora de energia nos momentos de crise. Ele foi uma das baixas do PDV e identifica relação direta entre as demissões e as crises nos temporais.

Segundo ele, com as demissões, “a qualidade técnica também foi embora”:

– Inclusive (empresas) terceirizadas foram trocadas de forma abrupta, o que impactou na quantidade e na qualidade de pessoas. Setores inteiros ficaram acéfalos, como a TI (tecnologia da informação), projetos e intervenções na rede. Foi um misto de falta de planejamento e ímpeto de reduzir custos operacionais. Isso gera as situações que vimos e as que ainda veremos.

“Falta de planejamento”, diz ex-técnico

Quando o tema é redução de funcionários, nas investigações em andamento, o caráter é inconclusivo sobre efeitos. Mais do que números, o tema envolve o preparo e a disponibilidade das equipes. Eletricista com duas décadas de serviços na CEEE e diretor do Sindicato dos Engenheiros (Senge-RS), Luiz Alberto Schreiner lembra que o primeiro ato da Equatorial, ao tomar posse, foi aplicar plano de demissões voluntárias (PDV).

Antes, a companhia já havia tentado garantir demissões, mas não obteve anuência do sindicato. O objetivo, comenta Schreiner, seria cortar o efetivo pela metade, como teria acontecido mais tarde, com o PDV.

Nesse caso, a adesão chegou a 998 funcionários, com outros

50 desligamentos subsequentes, totalizando redução de 1.048 pessoas – 52,4% do quadro, até então com 2 mil colaboradores, de acordo com cálculos do Senge.

– O PDV trazia proposta com a seguinte conclusão: ou adere ou será demitido, depois, sem nenhuma vantagem, ou fica, com redução de 50% no salário – diz Schreiner.

O técnico industrial eletrotécnico Paulo César Santos Maciel atuou por mais de 10 anos no centro de operações – o cérebro de uma distribuidora de energia nos momentos de crise. Ele foi uma das baixas do PDV e identifica relação direta entre as demissões e as crises nos temporais.

Segundo ele, com as demissões, “a qualidade técnica também foi embora”:

– Inclusive (empresas) terceirizadas foram trocadas de forma abrupta, o que impactou na quantidade e na qualidade de pessoas. Setores inteiros ficaram acéfalos, como a TI (tecnologia da informação), projetos e intervenções na rede. Foi um misto de falta de planejamento e ímpeto de reduzir custos operacionais. Isso gera as situações que vimos e as que ainda veremos.

Contraponto

O que diz a CEEE Equatorial

Presidente da CEEE Equatorial, Raimundo Bastos diz que a ideia não era apresentar o PDV de imediato, “mas a ansiedade de quem estava acostumado com a gestão estatal apressou o processo”, argumenta. O número de adesões, diz, é idêntico ao do Senge-RS (998), mas Bastos afirma que 60% dos desligamentos foram em setores administrativos. E assegura que a prioridade foi “controlar” saídas em segmentos sensíveis e ampliar os terceirizados. Bastos relata incremento de 26% na força de trabalho (de 1.214 para 1.526 pessoas) e equipes de campo (de 356 para 448). Para o presidente, agora é possível contar com equipes de emergência mobilizadas e “quantidade significativa” para novas ligações. “Houve redução no quadro, mas não teve influência. Queremos melhorar a qualidade e vamos ampliar a capacidade de atendimento, que já é três vezes maior do que a anterior”, acrescenta Bastos.

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