Artigo: Covid-19 e o reequilíbrio urgente das concessões de distribuição
31/Ago/2020, Revista Brasil Energia – Neste artigo, colaborou Eduardo Müller Monteiro, diretor executivo do Instituto Acende Brasil
A abrupta redução do consumo de energia elétrica – fenômeno decorrente das medidas de isolamento social e de restrição à atividade econômica – e o aumento da inadimplência impuseram sérias dificuldades ao setor elétrico.
Os impactos do surto de covid-19 são particularmente relevantes sobre a atividade de distribuição. Apesar de realizarem a cobrança de 100% da conta de luz, as distribuidoras retêm, em média, apenas 18% da tarifa final, sendo que o restante é repassado para os geradores, transmissores e as autoridades governamentais que administram os tributos (federais e estaduais) e encargos setoriais.
As autoridades governamentais, com destaque para o Ministério de Minas e Energia e Aneel, têm respondido às adversidades formulando medidas de mitigação dos impactos da pandemia sobre consumidores e empresas do setor.
A principal delas ficou conhecida como “Conta-Covid” e buscou tanto aliviar efeitos tarifários para o consumidor quanto fornecer liquidez às distribuidoras por meio de financiamento para suportar os desequilíbrios financeiros de curto prazo. Várias destas medidas são detalhadas no estudo “White Paper 23 – Impactos da Covid-19 sobre o Setor Elétrico e Medidas para Mitigar seus Efeitos”, disponível em www.acendebrasil.com.br/estudo.
Contudo, ainda é necessária a concepção urgente de soluções para a restauração do equilíbrio econômico dos contratos de concessão de distribuição.
A Aneel abriu no dia 17 de agosto a 2ª fase da Consulta Pública nº 35/2020 (CP 35/2020) para discutir mecanismos de análise de pedidos e de reequilíbrio econômico-financeiro decorrentes de impactos da pandemia covid-19 em concessionárias de distribuição.
Um exame preliminar do documento que embasa a 2ª fase da CP 35/2020 – o Relatório de Análise de Impacto Regulatório nº 7/2020, ou RAIR 7/2020 – gera preocupação. Afinal, em diversos trechos o documento afirma, com variações, que “não há que se falar em neutralidade tarifária por variação de mercado ou aumento de inadimplência”.
A afirmação acima, de forte implicação regulatória, parece ignorar frontalmente que a queda de demanda derivada da pandemia não é risco de mercado previsto nos contratos de concessão. Basta lembrar que a redução de consumo não partiu de decisões dos consumidores, mas de decisões da Administração Pública que exigiram o fechamento do comércio, escolas e indústrias.
O mesmo tipo de preocupante premissa regulatória equivocada aparece quando o regulador escreve que “a gestão da inadimplência é de competência da distribuidora”: todos sabem que o corte de energia por falta de pagamento foi proibido durante os primeiros meses após a decretação da pandemia e que a capacidade de pagamento dos consumidores permanece ameaçada estruturalmente em função do cenário de forte queda de renda da população e de redução da atividade econômica.
Os números negativos que acabam de ser divulgados por várias distribuidoras com os resultados do 2º trimestre do ano, período que capturou integralmente os primeiros meses dos efeitos da pandemia, demonstram que estamos observando um fenômeno que extrapola quaisquer “riscos de mercado” embutidos nos contratos de concessão.
Se a Aneel realmente quiser cumprir o objetivo de “conferir maior segurança ao segmento de distribuição de energia elétrica no contexto da pandemia”, conforme exposto no Sumário Executivo do RAIR 7/2020, é necessário alterar sua equivocada premissa, segundo a qual a queda no consumo e a elevação da inadimplência –que, inclusive, foram reforçadas por medidas adotadas pelas autoridades governamentais –devem ser tratados exclusivamente como “risco de mercado”.
Se isso não for feito, caminharemos rapidamente para uma provável judicialização setorial de profundidade a abrangência imprevisíveis.
Claudio J. D. Sales e Eduardo Müller Monteiro são, respectivamente, Presidente e Diretor Executivo do Instituto Acende Brasil