Incertezas podem levar a adiamento de leilões de energia
Os leilões de infraestrutura e energia, apontados como essenciais para a retomada dos investimentos no país, dependerão de uma estabilização na crise provocada pelo coronavírus, afirmam especialistas ouvidos pelo Valor. O cenário ainda é de incerteza, mas, entre agentes do setor, a expectativa é que os leilões de geração de energia possam ser os mais afetados. Em transportes, o efeito tende a ser menor, dizem, já que a maior parte dos certames está prevista para o segundo semestre.
Na área de energia, especialistas apontam que a crise recente do coronavírus impôs incertezas às premissas usadas por distribuidoras e geradoras para participar dos leilões. De um lado, as turbulências dificultaram as previsões para a atividade econômica e, consequentemente, para a demanda futura de energia. De outro, ficou mais complicado prever o custo dos investimentos nos projetos devido à volatilidade recente de variáveis como câmbio e preços de combustíveis.
Embora tenham divergências sobre o grau de impacto da crise atual sobre os leilões, analistas concordam que o governo deveria pelo menos estudar o adiamento dos certames de geração, começando pelos de térmica A-4 e A-5 que estão previstos para ocorrer no fim de abril.
Para Luiz Barroso, presidente da consultoria PSR, o adiamento seria uma medida “prudente” – evitaria, por exemplo, riscos de sobrecontratação por causa de “ruídos” que podem não ser estruturais. “Ninguém sabe para onde a coisa vai. No mínimo, seria prudente deixar que a maior informação possível desses impactos fosse incorporada às projeções [das distribuidoras]”.
Claudio Sales, presidente do Instituto Trata Brasil, observa que o problema de uma eventual sobrecontratação é agravado também por outras incertezas enfrentadas pelas distribuidoras, como a ampliação do acesso ao mercado livre de energia e o avanço da geração distribuída. Em sua visão, as distribuidoras continuarão expostas a esse risco até que haja um novo modelo regulatório para dar conta da nova realidade do mercado.
Já o presidente da consultoria Thymos Energia, João Carlos Mello, acredita que é “prematuro” especular sobre efeitos da crise atual sobre o médio e longo prazos. Para o especialista, o impacto mais concreto nos leilões será de curtíssimo prazo, como dificuldades para preparar as ofertas diante da paralisação ou da redução dos quadros de funcionários em algumas empresas.
O próximo leilão de energia, programado para 30 de abril, será dividido em duas licitações, que negociarão contratos com início de fornecimento em 2024 (“A-4”) e 2025 (“A-5”). Poderão participar do certame usinas termelétricas existentes ou novas a gás natural e carvão.
A demanda a ser contratada nesse leilão é um somatório das declarações de necessidade de energia apresentadas pelas distribuidoras – o prazo para entrega dessas declarações já terminou, mas as empresas podem ratificar ou retificá-las entre 6 e 10 de abril. Os números de demanda não são divulgados.
Já do lado das ofertantes, foram cadastrados 87 projetos: 76 usinas para o A-4, totalizando 36.224 megawatts (MW) de capacidade instalada, e 82 empreendimentos para o A-5, que somam 43.277 MW. Um mesmo empreendimento pode estar inscrito em ambos leilões.
Para infraestrutura de transportes, como a maior parte dos projetos estão programados para o segundo semestre, há uma expectativa de que o cronograma não seja afetado de forma significativa. O pacote federal inclui, por exemplo, a concessão de 22 aeroportos e seis lotes de rodovias, como a Dutra e a BR-163.
“Hoje, eu diria que não há impacto. O interesse continua forte, e os grandes operadores seguem engajados, se preparando para participar das concorrências dentro do calendário proposto”, afirma Daniel O’Czerny, responsável pela área de infraestrutura do Citi.
Ainda assim, os grandes investidores deverão esperar a crise se estabilizar antes de definir qualquer movimentação.
Neste momento, o foco dos investidores estrangeiros mudou, e a preocupação é manter liquidez e se proteger da crise, afirma Renato Ajimura, responsável pela área de clientes multinacionais do banco japonês MUFG. “Tudo vai depender do tempo de resposta à crise. É um momento de muita instabilidade, emissões de debêntures sendo seguradas. Pode ser que o cenário não afete os leilões em si, mas a fase de modelagem. É preciso ter uma acomodação para projetar”, diz.
Um dos pontos que mais poderá afetar o planejamento dos projetos – tanto do lado de quem estrutura como de quem quer investir – é a incerteza em relação ao custo do financiamento e da variação cambial. Sem uma estabilização do mercado, será difícil calcular um “preço justo” a ser ofertado, afirma o executivo.
Outra possibilidade é que, para compensar os riscos mais altos, os ativos saiam a preços “mais salgados”, diz O’Czerny.
Uma potencial vantagem diante da alta do dólar é que os ativos brasileiros fiquem mais baratos e, portanto, atrativos a investidores de fora, avalia Renato Sucupira, presidente da BF Capital. Para ele, embora seja cedo para prever os desdobramentos da crise, o impacto pode ser maior nas concessões vigentes, e não nos leilões em estruturação.
Procurado, o Ministério de Infraestrutura afirmou que é precipitado avaliar qualquer alteração no cronograma. Já o Ministério de Minas e Energia respondeu que, por ora, os leilões estão mantidos.