O panorama da eficiência energética no Brasil

Data da publicação: 16/08/2021

16/08/2021, Revista O Setor Elétrico

Preâmbulo

Ao avaliar as oportunidades e ameaças à eficiência energética no Brasil é fundamental entender como o país tem figurado no cenário econômico mundial nas últimas décadas. Em 2011 o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil ocupou a 6ª posição no ranking mundial, ultrapassando o Reino Unido. Naquele momento estava quase alcançando a 5ª posição deste importante ranking internacional das maiores economias do mundo, quando em 2015 o país começou a ser atingido por uma série de fatores como desvalorização do dólar, a queda do preço das commodities, crise econômica, institucional e política interna, fazendo com que tivesse o início do ciclo de queda abrupta para a 9º, em 2015, chegando em 12º lugar em 2020, ultrapassado por Rússia, Coreia do Sul e Canadá.

Em 2021 as expectativas continuam pessimistas com a previsão de o país ser ultrapassado por Austrália e Espanha, chegando ao 14º lugar. Essa queda de duas posições em apenas 1 ano foi potencializada pelos impactos econômicos causados pela pandemia da COVID19 durante o biênio 20/21. Espera-se que, no ritmo que o Brasil tem caminhado, a recuperação seja lenta e o país alcance a 9ª posição novamente somente em 2035. Destaca-se que essa previsão foi feita por especialistas antes da Pandemia da Covid 19.

Mesmo com as previsões de retomada do crescimento da economia mundial em 2022, o mundo apenas voltará aos padrões de 2019, mas o cenário do Brasil não é muito positivo visto que até hoje não se recuperou da crise de 2015/16. Em 2019 estava experimentando uma melhoria das taxas de desemprego e crescimento da economia, mas infelizmente a pandemia jogou por terra todo o otimismo.

Cabe ainda colocar alguma luz sobre o problema do desenvolvimento econômico do Brasil que são a baixa produtividade, ineficiência produtiva e energética, com consequente baixa competitividade do Brasil.

Apesar de o mercado consumidor interno no Brasil ser de 212 milhões de brasileiros, o que se vê é uma constante e crescente primarização da economia. O País sofre de uma desindustrialização causada pela falta de uma política industrial, somado à perda da competitividade da indústria nacional. Essa incapacidade de competir reside na soma de vários fatores como política tributária, ambiente legal e regulatório, insegurança jurídica, falta de infraestrutura, planejamento de longo prazo e eficiência ou ineficiência energética.

Falando da eficiência energética, que é o tema principal deste artigo, é importante destacar também o fator do custo da energia no Brasil. Conforme conclusão do estudo publicado pelo Instituto Acende Brasil, que trata da evolução das tarifas de energia elétrica e a formulação das políticas públicas, o Brasil ocupa a 37ª posição entre os 110 países com a energia mais cara do mundo. O Brasil ficou à frente de países como a Argentina, China, Índia e México (US$ 0,08), Coréia do Sul (US$ 0,11), Estados Unidos (US$ 0,14) e da maioria dos países em desenvolvimento. Isso implica em perda de competitividade dos nossos produtos industrializados para nossos vizinhos da América Latina, como Argentina e México.

Além disso, acordos de livre comércio e tributários internacionais com esses países latinos têm levado à transferência da produção brasileira para lá, como recentemente ocorreu com a Ford do Brasil, que anunciou em 2021 o fechamento de toda a sua produção no país, tornando-se essencialmente uma importadora de veículos de suas fábricas no México, Argentina, EUA e China. Esse movimento de desindustrialização da Ford no Brasil tem um grave impacto em toda a cadeia produtiva e reflete o movimento de multinacionais e empresas brasileiras de levarem suas indústrias para países que oferecem menos incertezas, ambiente legal e regulatório estável e custos que geram competitividade, como o da energia elétrica.

Ainda sobre ser ou não eficiente, em termos energéticos, o Brasil está na penúltima posição no ranking internacional da eficiência energética entre as 16 maiores economias do mundo, à frente somente do México. No ranking divulgado pela ACEEE (Conselho Americano para uma Economia Eficiente em Energia), em 2016 o Brasil ocupava a 22ª e o México a 19ª entre os 25 países com maior consumo de energia do mundo. Infelizmente, na última pesquisa divulgada pela ACEEE (2018), a realidade no Brasil não mudou muito, pois passou da 22ª posição para a 20ª. Entretanto, nosso vizinho e competidor México melhorou, passando da 19ª para a 12ª posição (Figura 1).

Figura 1 – Ranking ACEEE de Eficiência Energética. (Fonte: ACEEE).

Outros países desenvolvidos ou mesmo em desenvolvimento possuem energia mais barata que o Brasil e aparecem muito mais bem pontuados no ranking, como é o caso dos EUA, Canadá, China e Índia. Além disso, países como a China, México e mais recentemente a Índia, têm se tornado cada vez mais polos de produção industrial do mundo, comprando commodities brasileiras a preços baixos e retornando produtos industrializados de alto valor agregado.

Ainda segundo o ACEEE, a política energética brasileira está focada na produção de energia renovável e o país não possui padrões obrigatórios para instalações elétricas em prédios e residências, tampouco indicadores obrigatórios de eficiência energética para serviço, comércio e principalmente para a indústria, o que, apesar de parecer mais uma obrigação em um ambiente tão cheio delas, seria um excelente remédio para a dor da falta de competitividade.

A falta de padrões brasileiros para eficiência contribui e muito para o aumento da ineficiência e perdas em toda a cadeia e em todos os setores da economia. Além disso, ao avaliar todas as informações trazidas anteriormente é possível identificar um grande contrassenso dentro dos aspectos de desenvolvimento econômico, custo de produção, eficiência energética e competitividade.

O Brasil tem hoje um importante mercado interno, insumos (commodities) de todo tipo, oferta de energia, porém a um alto custo, e não se vê foco no desenvolvimento de uma indústria forte, pujante, eficiente e competitiva. Sem dúvida, ter uma indústria nacional forte é estratégico para gerar menos dependência de produtos importados. Esse risco de sujeição aos importados foi evidenciado com a Covid 19, quando a China parou a sua produção e afetou todos os países dependentes dos seus produtos. O efeito disso foi desabastecimento, alta de preços de produtos e cadeias inteiras afetadas, inclusive inicialmente a venda das commodities brasileiras. Os efeitos maléficos da dependência externa de produtos acabados são sentidos desde o início da Pandemia na China. Será que o Brasil realmente precisa dessa dependência?

Ao mergulhar no tema da eficiência energética, não é difícil constatar não apenas na indústria, mas nos setores de serviço, comércio e agrobusiness uma infeliz cultura enraizada da ineficiência energética. Transformar essa cultura no Brasil envolve um esforço conjunto de vários stakeholders neste processo.

Nesta direção, a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) por meio da Lei 9.991/00, começou a incentivar o mercado há mais de 20 anos com a criação do PEE – Programa de Eficiência Energética, que destina 0,5% da ROL (receita operacional líquida) das empresas distribuidoras de energia para projetos de eficiência energética, sendo que 0,1% é destinado ao Procel – Programa Nacional de Conservação de Energia Elétrica e os outros 0,4% são aplicado diretamente em projetos de eficiência energética pelas concessionárias distribuidoras de energia elétrica.

O PEE foi responsável pela criação do mercado de eficiência no Brasil e os recentes ataques a ele podem colocar em risco todo esse mercado, visto que em quase 21 anos do programa o governo não criou políticas estruturantes para o fortalecimento de um setor tão crucial para o desenvolvimento econômico de um país, baseado em sua competitividade e sustentabilidade econômica, social e ambiental. Esta tríplice hélice da sustentabilidade está totalmente alinhada à filosofia das empresas ESCOs (empresas de serviço de conservação de energia), pois essas empresas promovem o aumento da competitividade dos seus clientes, modernização das suas instalações, reduzem a emissão de carbono, contribuindo para o Acordo de Paris, por exemplo, e são uma importante fonte de geração de empregos no Brasil. De acordo com pesquisa “Potencial de Empregos Gerados na Área de Eficiência Energética no Brasil de 2018 até 2030”, publicada pela Abrinstal (Associação Brasileira pela Conformidade e Eficiência em Instalações) e elaborado pela Mitsidi Projetos e International Energy Initiative – IEI Brasil (Figura 2), a geração de empregos brutos na economia brasileira para atender à demanda de produção de bens e serviços de Eficiência Energética com projeção de 2030, para atender à NDC brasileira (Acordo de Paris), é de 1.277.000 de profissionais. Isso demonstra a importância e potencial de impactos sociais e econômicos da cadeia de eficiência energética para o país.

Figura 2 – Potencial de empregos gerados em eficiência energética no Brasil – Horizonte 2030. (Fonte: Abrinstal)

o ano de 2020 foi proposta a Medida Provisória 998 que deliberadamente desviou a finalidade dos recursos do PEE para a modicidade tarifária, tendo como justificativa um alívio nas tarifas de energia no Brasil, principalmente nas regiões Norte e Nordeste. A MP foi convertida na Lei 14.120/21 validando o envio de todos os valores não investidos ou contratados pelas concessionárias anteriores a 1º de setembro de 2020 para a CDE – Conta de Desenvolvimento Econômico e 30% dos recursos correntes após essa data, até o ano de 2025.

O mercado de eficiência desacoplado dos programas das concessionárias ainda é tímido e não possui uma estrutura que permita sua ampliação. Falta estrutura de garantias e financiamento para que as empresas que atualmente dependem dos recursos do setor elétrico possam migrar para projetos de eficiência energética custeados por outras fontes de recursos. A junção de um mercado altamente dependente dos recursos públicos com um cenário de incertezas provocado principalmente pela Lei 14.120/21 tem deteriorado todo o ecossistema de eficiência energética do Brasil. Todos concordam que um mercado não pode depender de recursos públicos. Entretanto, uma transição entre o sistema atual e um novo sistema, estruturado para operar com outras fontes de recursos, seria o cenário desejável. Essa dependência pode ser ratificada pelo Plano Decenal de Energia 2029, elaborado pela Empresa de Pesquisa Energética. Segundo o documento, os drives do setor de eficiência energética no Brasil no setor industrial são:

Índices mínimos de motores e transformadores de distribuição;

Etiquetagem de motores, bombas e transformadores de distribuição;

Programa de Eficiência Energética da ANEEL (PEE/ANEEL);

Procel Indústria.

É muito importante que o governo induza os mercados, mas é fundamental que mecanismos baseados em recursos privados participem do mercado de eficiência energética. Financiamento é um fator fundamental para o desenvolvimento do setor. É importante ressaltar que em termos de financiamento, o setor de energias renováveis já possui instrumentos financeiros e de crédito que viabilizam sua expansão, o que não ocorre para o setor de eficiência energética.

O que ocorre atualmente no âmbito de governo federal e Agência Nacional de Energia Elétrica, além de não resolver a crise no setor elétrico, agrava a situação do Brasil, na medida em que afeta todo o ecossistema, composto por empresas, fornecedores de produtos e prestadores de serviços de empregam pessoas, pagam impostos e movimentam a economia.

Esse mercado precisa de apoio governamental e não de ataques imprevisíveis e que aumentam a insegurança jurídica no país. Esse é o efeito real da Lei 14.120/21 e não de fato contribuir para modicidade tarifária, até porque até o momento não foi comprovado o efeito positivo prático dos recursos do PEE direcionados para a CDE. Há muitas críticas sobre os recursos provenientes da Lei 9.991/00, mas é fato o desconhecimento acerca de seu real impacto para o Brasil. Por isso, sempre pode-se relacionar a ineficiência energética no Brasil como uma questão cultural em todos os níveis da sociedade. Nesse sentido, é fundamental quebrar esse paradigma e aumentar a consciência e educação em torno do tema Eficiência Energética.

O Brasil precisa de uma estrutura de financiamento de projetos de eficiência energética e pode aproveitar experiências internacionais como inspiração para criação de um novo mercado de eficiência energética. Modelos vigentes atualmente na Europa e nos Estados Unidos precisam ser estudados e adaptados à nossa realidade, em um esforço que envolve o governo, os bancos e as entidades e empresas do setor de eficiência energética. Associações internacionais podem contribuir com o desenvolvimento desses mecanismos. Uma delas é a AEE – Association of Energy Engineers, associação presente em mais de 100 países e cuja missão é promover os interesses científicos e educacionais dos engajados na indústria de energia e fomentar ações para o Desenvolvimento Sustentável. A associação tem em seu portfólio uma série de treinamentos e certificações que são reconhecidas internacionalmente por profissionais e bancos, sendo utilizadas para validar projetos de Escos em diversos países da Europa e nos Estados Unidos. O capítulo Brasil da AEE tem trabalhado no sentido de divulgar essas certificações e contribuir para que novos modelos para o mercado de eficiência energética sejam desenvolvidos.

Infelizmente, temos um país que ocupa a 20ª posição entre os 25 países com maior consumo de energia do mundo e o governo retira incentivos de um programa tão importante para o país, em termos estruturais, culturais e mercadológicos. Isso representa um tremendo contrassenso e retrocesso.

Saindo da polêmica envolvendo a recente lei 14.120/21, o Brasil se apresenta como um mercado com enorme potencial para esse processo de transformação da cultura de Eficiência Energética, começando pelo tamanho do mercado. Entre 2015 e 2017, o desperdício de energia custou ao Brasil R,7 bilhões, de acordo com as estimativas da Abesco – Associação Brasileira de Empresas de Conservação de Energia. É dinheiro suficiente para construir 240 hospitais. Além disso, estima-se que a indústria poderia economizar mais de R bilhões com ações de eficiência energética. No caso do comércio, o potencial de economia energética é de R$ 2,4 bilhões, o equivalente a 17,6% da geração de uma usina como a de Belo Monte. Segundo a empresa WEG, a energia consumida na indústria corresponde a 41% do total consumido no país, sendo que 67% deste consumo é realizado por motores elétricos. Esses são responsáveis por 27% do consumo de toda a energia elétrica do país. Um dado estarrecedor no que tange a eficiência energética na indústria é que existem cerca de R,8 milhões de motores instalados no parque industrial brasileiro, sendo que aproximadamente R,6 milhões destes motores têm idade maior ou igual a 19 anos e destes, R,45 milhões com potência entre 0,16cv e 500cv, têm um ROI (retorno sobre investimento) menor ou igual a 2 anos. Esses números indicam um mercado com grande potencial.

De acordo com a Carbon Trust em sua pesquisa intitulada “Transformative Investment for Energy efficiency and Renewable Energy”, publicado em 2017, o mercado de eficiência energética no Brasil é estimando em R bilhões, sendo que as empresas Escos (Empresas de serviço de conservação de energia) apenas captam cerca de R1 milhões anualmente (Figura 3).

Figura 3 – Potencial do mercado de eficiência energética no Brasil. (Fonte: Carbon Trust)

 

Depois de confirmados o tamanho e o potencial do mercado brasileiro, é importante ter empresas de engenharia aptas a explorar esse potencial com soluções para eficiência energética. Atualmente, a Abesco conta com cerca de 90 associados presentes em todo o território nacional, dentre eles empresas fornecedoras de equipamentos, empresas de consultoria e Escos. Escos ou Energy Services Companies são empresas de engenharia especializadas em serviços de conservação de energia, ou melhor, em promover a eficiência energética e de consumo de água nas instalações de seus clientes. Após mais de 20 anos de atuação da Abesco no Brasil na construção de um mercado de eficiência energética, chegou-se a uma estrutura de mercado com empresas sólidas e com um portfólio de soluções completas para o mercado, que está em constante evolução. Alinhadas à oferta de serviços das Escos, as ações de eficiência energética têm agilidade e baixo custo de implementação, não exigência de infraestrutura e licenciamento, contribuição para modernização da indústria e aumento de competitividade, bem como aderência total às melhores práticas de sustentabilidade e descarbonização.

Tendo a sustentabilidade e a descarbonização como fatores impulsionadores da eficiência energética no Brasil e no mundo, importante trazer tudo que está sendo mencionado dentro de uma agenda verde mundial, tais como mudanças climáticas, Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU, ESG – Environmental, Social and Governance (em português, Ambiental, Social e de Governança), Sistema B e Acordo de Paris. Todos esses atuais pontos desta agenda verde e social no mundo têm como um dos seus principais alicerces a descarbonização e junto dela estão as Ações de Eficiência Energética. Nesse sentido, em 2020 o governo do Reino Unido anunciou a alocação de mais 3 bilhões de libras para aprimorar a eficiência energética de residências e prédios públicos, numa iniciativa que deve sustentar mais de 100 mil empregos. Ou seja, essa iniciativa do governo britânico está em linha com o esforço da descarbonização e com os impactos sociais positivos da geração ou manutenção de empregos no país.

Cabe um questionamento: Quais seriam os impactos de uma iniciativa como essa por parte do Governo Brasileiro? Sem dúvidas a resposta não é complexa, mas muito relevante para o Brasil. O resultado seria uma modernização das organizações brasileiras, aumento da competitividade, geração de emprego e renda e um completo alinhamento às melhores práticas de sustentabilidade, sociais e governança, colocando o Brasil dentro do cenário internacional da econômica ESG. Entretanto, como já mencionado, as atuais iniciativas do governo brasileiro vão de encontro a uma política de desenvolvimento do setor no Brasil. Infelizmente.

Todo o impacto econômico e social que a pandemia da Covid19 causou no mundo trouxe uma transformação do pensamento coletivo e a percepção de como as ações de um agente afetam todo o ecossistema. Isso aumentou e muito a corrida por alinhar as atividades econômicas a uma agenda verde e social. Já se percebe no Brasil, a partir do segundo semestre de 2020, um aumento gradativo da busca por serviços das Escos para alinhar as organizações aos indicadores de emissão de carbono. Esse movimento está sendo puxado pelas grandes empresas nacionais e multinacionais. Percebe-se que é um movimento sem volta no mundo e que já teve início no Brasil.

Outro fator que pode colocar adicional estímulo no mercado da eficiência energética no Brasil é a adoção da ISO 50001, que é uma norma internacional voluntária que fornece às organizações os requisitos para implementação do Sistema de Gestão de Energia (SGE). Ela estabelece sistemas e processos necessários para melhorar o desempenho energético global da organização, incluindo a utilização, consumo e eficiência energética e pode ser aplicável a todos os tipos e dimensões de organizações. Nesse contexto, as Escos são importantes parceiros das organizações para a implantação da ISO 50001 pois, conforme o organograma abaixo, podem trabalhar desde a captura de dados de consumo e variáveis relevantes que afetam o uso de energia e o seu desempenho, passando pela elaboração do diagnóstico energético, chegando na implementação das Ações de Eficiência Energética, geração de indicadores, medição e verificação de resultados e acompanhamento constante. A ISO 50001 traz uma importante metodologia de gestão de energia, que também pode ser adotada pelas empresas de forma gradual, constante, visando no final do dia ter um sistema de gestão de energia ativo, formando assim a cultura do uso racional da energia nas organizações, independentemente do porte. Nesse contexto, recentemente, o CEBDS (Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável) e BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), com participação e apoio da ABESCO promoveram o webinar “Eficiência Energética para Pequenas e Médias Empresas e como a ISO 50001 Pode Beneficiar esse Setor”: a intenção foi provocar a adesão à ISO 50001 da mesma forma que a ISO 9001 foi incorporada nas empresas.

Ainda falando sobre gestão de energia para eficiência energética, tem-se percebido no Brasil o surgimento de novas tecnologias, com a criação de uma nova geração de startups focadas no mercado de eficiência energética. Muitas delas oferecem tecnologias que suportam a gestão em tempo real nas organizações, por meio de adoção de tecnologias de monitoramento através da telemetria de dados, o uso de IoT (Internet das Coisas), Inteligência Artificial e Machine Learning. Recentemente, foi publicado pela Liga Ventures, uma plataforma de inovação aberta, que temos no Brasil 1265 startups e dentre elas, 206 são focadas no mercado de energia, sendo que 38 se dedicam à eficiência energética. Esse crescente mercado tem apoio de importantes programas de governo como o LAB de Inovação do PROCEL, iniciativa fomentada pelo PEE ANEEL. Essa explosão de startups na área de energia sinaliza uma transformação no mercado tradicional da energia e a possibilidade de tecnologias exponenciais alterarem todo o mercado nos próximos anos, principalmente o mercado da eficiência energética.

Todas as oportunidades apresentadas anteriormente como tamanho do mercado brasileiro ainda pouco explorado, somado aos fatores impulsionadores como a agenda da economia verde, ISO 50001 e transformação digital no mercado de energia estão refletindo no mercado financeiro, que é uma das principais alavancas propulsoras de qualquer mercado em potencial.

Tem-se visto vários movimentos que indicam ou mesmo comprovam que o “dinheiro” começa a flertar com a eficiência energética. Vários fundos de investimento, bancos de investimento, family offices e até mesmo bancos de varejo começaram em 2020 a avaliar o mercado.

Uma das iniciativas relevantes é o LAB de Inovação Financeira. O LAB é fórum de interação multissetorial, criado pela Associação Brasileira de Desenvolvimento (ABDE), o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) que, em parceria com a Deutsche Gesellschaft für Internationale Zusammenarbeit (GIZ) GmbH, reúne representantes do governo e da sociedade para promover as finanças sustentáveis no país. O objetivo é criar soluções inovadoras de financiamento para a alavancagem de recursos privados para projetos com adicionalidade social e/ou ambiental e contribuir para o cumprimento das metas brasileiras associadas aos ODS (Agenda 2030) e aos compromissos para o enfrentamento dos riscos de mudança climática (Acordo de Paris). Temas como seguros e garantias, títulos verdes, títulos ODS, avaliação de impacto social, crowdfunding de investimento, fundos rotativos solidários, venture philanthropy, fintechs, gestão de riscos socioambientais e de governança (ASG) e muitos outros estão na pauta do LAB de Inovação Financeira (http://www.labinovacaofinanceira.com/). A ABESCO participa dessa iniciativa e vem propor um Fundo Garantidor para projetos de eficiência energética – FGEnergia, com recursos inicialmente do PROCEL, administrado e operacionalizado pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). Espera-se que essa iniciativa esteja operando em junho de 2021 e será um importante instrumento para desenvolvimento das linhas de financiamento para eficiência energética no país. Na imagem da Figura 4 é mostrado um infográfico da proposta do fundo FGEnergia.

Figura 4 – Como vai funcionar o FGEnergia (proposta). (Fonte: LAB de Inovação Financeira)

Outra importante iniciativa do LAB é o Programa de Eficiência Energética Garantida (Energy Saving Insurance Program – ESI), que é um seguro de performance para os projetos de eficiência.

Recentemente também a organização social SITAWI Finanças do Bem, por meio de uma parceria com o GIZ, tem criado uma ponte entre os principais stakeholders no setor financeiro para estabelecer um debate amplo sobre as oportunidades e desafios da estruturação de produtos financeiros de prateleira para a eficiência como já existem para o mercado geração distribuída fotovoltaica.

A Abesco tem participado de todas essas iniciativas, além de realizar constantes reuniões com fundos de investimento e bancos de investimento visando estruturar um produto financeiro aderente ao seu mercado e o fundo FGEnergia tem sido visto como um importante apoio aos futuros produtos financeiros.

Em termos de mercado financeiro tivemos em 2020 o decreto 10.387 de 5 de junho, que estabeleceu novos mecanismos para emissão de debêntures verdes para financiamento de projetos de infraestrutura, incluindo a geração distribuída (GD) solar fotovoltaica como elegível a esse tipo de títulos. Uma das reivindicações da Abesco imediatamente após a publicação deste Decreto foi oficiar os Ministérios da Fazenda e Minas e Energia para a inclusão da eficiência energética como apta a receber recursos por meio da emissão de debêntures verdes. Entretanto, não tivemos resposta dos referidos Ministérios, mas estamos trabalhando junto ao legislativo e executivo para promover essa inclusão que significará mais recurso para o setor, com menor custo de captação.

Outro indicativo de que a potencialidade deste mercado como importante via de aplicação de recursos com foco na eficiência energética e dentro das melhores práticas da economia verde e ESG está no recente investimento realizado pelo fundo Perfin Asset Management na empresa Nexway (antiga Comerc ESCO) e umas das associadas da Abesco. Esse investimento abriu as portas para os associados da ABESCO receberem investimentos provenientes de fundos com foco em ESG aportarem em suas operações via equity (participação acionária) ou debt (dívida).

A sinalização é clara que o mercado brasileiro das Escos irá experimentar mudanças nos próximos anos, desde a possibilidade da redução drástica de recursos públicos, que obrigará as atuais Escos a serem resilientes e a se reinventarem, como também a incorporação da cultura ESG pelas organizações somado ao potencial de eficiência energética do mercado brasileiro, trará um maior fluxo de investimentos para setor, consolidações, com movimentos de fusões e aquisições, entrada de players internacionais, uso intensivo de tecnologias a partir da maturidade das startups brasileiras, com potencial de surgimento, neste processo, das Super Escos. Sem dúvida o mercado brasileiro de eficiência energética está num momento de forte transformação.

Frederico Araújo é presidente da Abesco – Associação Brasileira de Escos e CEO da DEODE Inovação e Eficiência em Energia.

Ângelo Oliveira é presidente do Capítulo Brasil da AEE – Association of Energy Engineers.

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