ARTIGO: O papel da Aneel no novo mandato

Data da publicação: 21/12/2022

Temas relevantes do setor elétrico brasileiro têm sido afetados negativamente pela ocupação por grupos de pressão no Congresso Nacional. Esta ocupação sem precedentes, além de gerar vantagens e privilégios econômicos, tem esvaziado funções cruciais do Ministério de Minas e Energia (MME, responsável pela formulação de políticas do setor) e da Empresa de Pesquisa Energética (EPE, responsável pelas diretrizes do planejamento de longo prazo).

As surpreendentes canetadas de alguns parlamentares – que envolvem poucas linhas orquestradas na surdina e inseridas como jabutis em outros comandos legais – desarranjam a lógica por trás de anos de trabalho de planejamento sério e regulação meticulosa, tudo isso sem passar pelo escrutínio do debate público.

É por isso que talvez a função mais importante da Aneel nos próximos quatro anos será colocar luz sobre a necessidade de se promover uma política energética coesa e que não dê mais espaço para o loteamento político e econômico.

A recente recomposição da diretoria da Aneel – que teve 4 de seus 5 diretores reconduzidos ou empossados entre maio e agosto, sendo que em dezembro a quinta cadeira também será ocupada por uma profissional com as qualificações adequadas – oferece oportunidade ímpar para posicionar a Aneel na altura prevista pela jovem Teoria da Regulação, segundo a qual o regulador deve se comportar como uma entidade de Estado – e não de governo – blindada de interferências políticas e capaz de reconhecer e rechaçar pressões econômicas desalinhadas do interesse público.

A nova “geração” do corpo diretivo da Aneel poderia desenhar sua atuação nos próximos quatro anos com a missão de liderar intelectualmente algumas frentes prioritárias.

A primeira frente envolve a recuperação da governança institucional no setor elétrico, com destaque para acabar com duas distorções emanadas do Congresso: (a) jabutis de parlamentares que decidem arbitrariamente quais usinas devem ser instaladas em qual lugar do país, um “tapa na cara” do planejamento feito pelo MME e pela EPE; (b) projetos de decreto legislativo impostos por congressistas que sustam reajustes tarifários, um outro tapa, mas desta vez na cara da própria Aneel, que tem a missão de calcular tecnicamente os níveis tarifários com base nos contratos de concessão.

Não será fácil “peitar” alguns membros do Congresso, mas a Aneel ajudará a aprimorar a governança no setor elétrico se der publicidade para subsídios ou benesses que prejudicam o consumidor. Algo como: “sociedade brasileira, veja o que este parlamentar está propondo e entenda as consequências dessa interferência sobre a tarifa que você paga e sobre a energia que você consome”.

A segunda frente a ser priorizada pela Aneel é o aprofundamento de seu esforço para a desoneração estrutural das tarifas, mas sem artificialidades. Nessa dimensão, as ações mais importantes são: (a) comunicar de forma didática para os brasileiros os principais elementos de pressão tarifária; e (b) apoiar iniciativas de redução sustentável da conta de luz.

Após as grandes vitórias de redução da alíquota e da base do ICMS sobre eletricidade, os próximos alvos nessa frente devem ser a redução de subsídios injustificáveis embutidos no encargo CDE (Conta de Desenvolvimento Energético) e a diminuição da tarifa de Itaipu, cuja renegociação acontecerá em 2023 com o Paraguai. Aliás, pensando em tarifas eficientes, merece aplausos a recente decisão da diretoria da Aneel de revogar as outorgas de quatro termelétricas que não cumpriram as obrigações assumidas no leilão emergencial de outubro de 2021 (Procedimento Competitivo Simplificado) e que poderiam custar aos consumidores, sem necessidade, bilhões de reais.

Uma terceira frente é garantir que a abertura do mercado varejista seja bem planejada e equilibrada, evitando uma desnecessária disputa tóxica entre mercado regulado e mercado livre de energia nos moldes do vergonhoso “Fla-Flu” que foi a rixa regulatória envolvida no marco da geração distribuída. É papel do regulador cortar na raiz “fake news” como a infame “taxação do sol”.

E pensando na transição energética, uma quarta frente envolve ter nosso regulador como um aliado do MME, da EPE e do ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico) na defesa de políticas tecnologicamente neutras: não importa a fonte de energia, e sim os requisitos atendidos pela fonte, sempre por meio de competição isonômica. A transição também seria turbinada se a Aneel apoiasse a modernização das redes de transmissão e distribuição via regulamentação para adoção de redes inteligentes e fomento da medição digital e cibersegurança.

As quatro frentes acima constroem um caminho promissor para que Aneel seja uma agência cada vez mais forte e respeitada com base nos atributos de transparência, rigor técnico e bloqueio do loteamento político e econômico do setor elétrico.

Eduardo Müller Monteiro e Claudio Sales são Diretor Executivo e Presidente do Instituto Acende Brasil (www.acendebrasil.com.br)

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