Oportunidade de ganhar sobrevida

Data da matéria: 30/04/2020

30/abr/2020, Revista Setorial Energia – Valor Econômico

O Ministério de Minas e Energia (MME) quer revitalizar a usinas hidrelétricas, principal fonte de geração de energia no país, cujo espaço, porém, vem sendo reduzido na matriz energética brasileira. Entre as propostas da pasta, além da modernização do parque hidrelétrico já instalado, para ganhos de eficiência, estão estímulos a novos projetos de médio porte e o retorno de parcerias binacionais. De fato, a lista de motivos para o menor interesse pelas usinas hidrelétricas (UHE) não é pequena. Dificuldades no licenciamento ambiental, subsídios que tornam a energia gerada nos parques eólicos e solares artificialmente mais competitiva do que a hidroeletricidade e mudanças regulatória que prejudicaram a remuneração dos empreendimentos são alguns deles.

As polêmicas envolvendo a construção de Belo Monte, no Pará, pelo custo alto, atraso e ineficiência do projeto também pesam. A ideia é que a matriz energética siga se diversificando, uma que as hidrelétricas voltem a ter um papel importante neste processo. O Plano Decenal de Energia (PDE) 2029, elaborado pelo Ministério de Minas e Energia, estima que a capacidade instalada de geração de energia elétrica deve crescer 43% em dez anos, passando de 176 GW para 251 GW. No período, a participação da energia solar na matriz deve passar dos atuais 2% para 8% e a fonte eólica, de 9% para 16%.

A geração hidrelétrica, por sua vez, deve recuar de 58% para 48% de participação. Os investimentos do setor de energia em geração e transmissão são estimados em R$ 456 bilhões. As propostas do Ministério de Minas e Energia para estimular novas hidrelétricas ainda não constam do Plano Decenal, conforme explica Reive Barros, secretário de Desenvolvimento e Planejamento Energético do Ministério de Minas e Energia. Uma das novidades em estudo, destacada por Barros, é a volta das usinas hidrelétrica binacionais em parceria com Bolívia e Argentina. “Tem potencial grande de geração de energia e ainda resolveria problemas já existentes”, comenta o secretário. Um exemplo dado por ele é a possibilidade de implantar uma hidrelétrica binacional na região da usina de Jirau (RO), próxima à divisa com a Bolívia. “Outra usina na região, agora projeto binacional, ajudaria a regular a vazão do rio Madeira, que no período de cheia causa grandes alagamentos e transtornos”, comenta Barros, acrescentando que os empreendimentos, em fase ele estudo, incluiriam a participação da Eletrobras, sem dar mais detalhes. O consultor Ricardo Lima, ex-conselheiro da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) e ex- executivo da Eletropaulo e ela EDP, considera a ideia de projetos binacionais interessantes, mas pondera que “sempre são controversos, pois os tratados são de longa negociação e de longa duração”. E ainda questiona: “Como fica a Eletrobras participando de projetos binacionais e, ao mesmo tempo, num processo de privatização. Falar em investimentos binacionais signífica que o Estado, ou seja, estatais, continuará a ser investidor. Faz sentido isso?”.

O consultor acrescenta que o mais importante para reativar as hidrelétricas é a definição de uma política coerente de longo prazo, indicando ao investidor qual a direção segura para a expansão. A outra iniciativa em estudo, para incentivar projetos de médio porte, é defendida por Reive Barros com base no potencial ainda inexplorado de usinas próximas dos centros de consumo e da capacidade técnica existente. “O Brasil tem tradição de grandes hidrelétricas, uma cadeia produtiva bem estruturada, com know-how em construção, um parque industrial fornecedor de equipamentos nacionais, atualmente ocioso, e que pode ser reativado”, diz Barros. “Hoje, quando uma empresa privada realiza os estudos de viabilidade do projeto e ocorre o leilão da usina, se ela não for a vencedora, os custos são ressarcidos, mas há muita insegurança sobre se haverá ou não leilões para empreendimentos de médio porte”, explica. O ministério tem mapeado nas regiões Sudeste e Centro-Oeste um potencial de 20 projetos com potência instalada entre 200 MW e 1.200 MW (na média com 600 MW), cujos estudos de viabilidade custariam entre R$15 milhões e R$ 20 milhões cada um.

O financiamento viria do BNDES e de linhas do BID, faltando agora definir as garantias a serem dadas aos bancos e determinar uma forma de ressarcir o empreendedor caso o leilão não se mostre viável. A ideia é bem recebida por especialistas do setor, principalmente pela escolha das regiões para receber os projetos. “O secretário [Barros] está empenhado na revitalização das hidrelétricas e caminhando na direção correta, de projetos menores, mais rápidos de serem executados”, comenta João Carlos Mello, presidente da consultoria Thymos Energia. A tendência destacada por ele, contudo, é de que a geração de energia siga se desenvolvendo prioritariamente na direção de projetos a partir de gás natural, de parques eólicos e solares, mas sem que as UHE percam mais espaço. “Algumas experiências, como Belo Monte e o complexo de usinas do rio Madeira, foram ruins, hoje os empreendedores não fariam estes projetos porque o custo foi alto, o preço da energia não remunera adequadamente o investimento e as dificuldades ambientais levaram a atrasos”, acrescenta Mello, lembrando que a distância dos centros de carga pesa no custo, o que seria resolvido com hidrelétricas no Sudeste e Centro-Oeste. “PCHs e usinas de médio porte, naturalmente, perdem na economia de escala, mas são mais fáceis de instalação.” O presidente do Instituto Acende Brasil, Claudio Sales, tem a mesma visão. “Embora o potencial a ser explorado em hidreletricidade continue grande, o risco dos projetos subiu muito nos últimos anos. Sofremos quase uma paralisia, enquanto os parques eólicos e solares seguiam ganhando em parte pelos subsídios.

Neste cenário, a previsão no PDE de 1.674 MW de nova geração hidrelétrica com sete usinas é uma ótima notícia”, comenta Sales. Para o executivo, a participação do BNDES como financiadora fase de estudos é uma boa iniciativa, até porque “sempre que se fala em construir uma hidrelétrica surge todo tipo de pressão, de ONGs, Ministério Público e de órgão ambiental, o que eleva o risco para o empreendedor”. A proposta de revitalizar a hidrelétricas ecoa positivamente também junto à iniciativa privada, hoje responsável por mais de 50% da geração de energia do país, segundo dado da Thymo Consultoria.

“No Brasil, a Engie possui larga experiência na gestão de ativo de geração hidrelétrica e, nesse contexto, a expansão da participação em ativos hidrelétricos está plenamente alinhada com nossa estratégia”, comenta o diretor presidente da Engie Brasil Energia, Eduardo Sattamini. Segundo ele, a empresa mantém o interesse em novos aportes no segmento e “vai avaliar criteriosamente as oportunidades que surgirão, principalmente aquelas associadas à concessões vincendas”.

A Engie tem uma capacidade instalada no Brasil de 10.211 MW em 61 usinas, sendo 12 hidrelétricas (incluindo a sociedade em Jirau) e o restante em parques eólicos, solar, PCHs, biomas a e termelétricas. No momento, a Engie investe R$ 1,6 bilhão em Campo Largo Fase 2, um parque eólico na Bahia com capacidade instalada de 361,2 MW e que deve iniciar a operação neste ano. Na visão de Sattamini, as hidrelétricas seguirão tendo um papel muito importante nessa matriz eletroenergética em transformação.” Além de serem necessárias para a segurança energética, por meio do armazenamento da água nos reservatórios, elas serão cada vez mais essenciais para oferecer flexibilidade operativa ao sistema”, analisa. Para que os investimentos privados se voltem novamente para hidrelétricas, Sattamini considera importante resolver questões que prejudicaram o setor.

“As questões naturais, hidrológicas, fazem parte do rico do negócio, e as empresas estão lidando com a situação, nas decisões política que afetaram o negócio da hidroeletricidade, extrapolando o risco do negócio foram reconhecidas tanto pelo governo quanto pelo Congresso afirma. “Temo a convicção de que essa reparação é condição necessária para realinhar ricos da fonte, pemitindo reduzir o custo percebido pelos investidores e, também para atrair novo investimento em usinas hidrelétricas.” Sattamini adiciona ao debate outra questão relevante, relativa à formação de preço da energia gerada pelas hidrelétricas para que fiquem competitivas. “A solução ótima em termos de composição da matriz eletroenergética deveria ser derivada de um processo competitivo amplo.

A partir da definição dos atributos que o sistema precisa (energia, capacidade ele ponta, flexibilidade etc.), o próprio mercado se encarregaria de encontrar as melhores soluções tecnológica para seu atendimento.” O consultor Ricardo Lima faz coro: “Talvez a saída esteja em remunerar adequadamente cada fonte por seus ‘atributos’, ou seja, pela contribuição efetiva que dá ou fornece ao sistema”, afirma. Ele considera fundamental que os leilões levem em conta os custos reais associados, como ambientais, subsídios pagos pelo Tesouro (contribuinte) ou pelo consumidor e sociais. “Isto nem sempre, ou quase nunca, é contabilizado em um leilão”, diz. Ele calcula que só o desconto na tarifa da rede de distribuição e transmissão para eólica e solar custa R$ 3 bilhões ao ano na conta de luz ele todos. “Hoje, o subsídio não é mais necessário”, comenta Sales, do Instituto Acende. Ele observa que, nos último nove anos, o custo da energia solar caiu 73% e a eficiência subiu 35%.

O secretário de Desenvolvimento e Planejamento Energético do Ministério de Minas Energia reconhece que, de fato, o subsídio não faz mais sentido. “Eólicas e solares foram ganhando competitividade, o custo do megawatt/hora hoje está na faixa de R$ 100, mas no passado era de R$400. A retirada do subsídio está em debate, não foi decidido ainda”, afirma Reive Barros. Embora a proposta de Barros de fomentar projeto de médio porte tenha ampla aceitação, o presidente da Associação Brasileira de Energia Limpa (Abragel), Charles Lenzi, aponta outro caminho que considera “mais rápido” para reativar projetos hidrelétricos.

“A proposta do Barros é válida e significativa porque resgata a importância da retomada de geração através de hidrelétricas, mas há um potencial de projetos já inventariados de PCHs (até 50 MW) nas mesmas regiões, da ordem de 9.000 MW, aptos a participar dos leilões de energia”, explica o executivo. Realizar estes milhões, a seu ver, teria uma maneira mais eficaz de promover a geração hidrelétrica, sem comprometer recursos do BNDES para o desenvolvimento de tudo de viabilidade.

Outro tema polêmico é a política de usinas a fio praticamente em reservatórios -, o que reduz a confiabilidade das UHEs. “No passado, a ideia das hidrelétricas com grande reservatório era ter espaço para a gestão da produção de energia em tempos de escassez de chuva, com a utilização de uma parte dp reservatório e outra ficava reservada. Hoje, as usinas a fio não permitem esta gestão”, afirma.

Barros lembra que, com o crescimento dos parques eólicos e solares, que não têm potência (não armazenam) e apenas geram energia, o sistema como um todo fica mais inseguro. “Contexto, a térmicas ganharam relevância para serem acionadas quando a geração eólica e solar para, mas custam caro a todos. Mesmo sendo polêmico. Considero relevante encontrar um meio termo entre os grandes reservatórios do passado, criticados por ambientalistas, e as usinas a fio d’água, menos seguras do ponto de vista de gestão da energia gerada.”

Todos os direitos reservados ao Instituto Acende Brasil